Holy Holy Holy
"Shaktí teve a sensação de que seu corpo existia pela primeira vez. Sentiu não que Shiva penetrava nela, mas que Shiva abria-se para ela como uma vasta cavidade e a acolhia em si. O contacto com a superfície de seu corpo a absorvia dentro dele.
Encantada, no escuro, Shaktí tocava as paredes de Shiva. Procedia na direcção de seu centro como na direcção de brasas no fundo de uma caverna. Estava perdida, mas sentia que estava para se reencontrar. Ou antes: sentia que aquilo que estava ocorrendo era um retorno.
O coito de Shiva e Shaktí durou vinte e cinco anos , sem que Shiva vertesse nela o sémen. Como um elefante aprisionado, Shiva não se podia se mexer senão tocando o corpo de Shaktí. Quando falavam, brincavam. Com musgo Shiva desenhou nos seios de Shaktí pequenas mancham que pareciam abelhas zunindo em torno de um lótus Se Shaktí se mirava no espelho, Shiva escondia-se atrás dela até que Shaktí pensasse estar sozinha. Depois, um olho de Shiva aflorava do espelho."
- "Ka"
- Roberto Calasso
- Companhia das Letras
- 12€
Transportar a surpresa no olhar
"Não mais possível a não ser enquanto quimera. Não mais sustentável. Ela e o resto. Nada mais a fazer senão fechar os olhos de uma vez por todas e vê-la. A ela e ao resto. Fechá-los em definitivo e vê-la moribunda. Sem eclipses. Na cabana. No circo de pedras. Nos campos. No nevoeiro. Diante do túmulo.
E de volta. De uma vez por todas. Tudo. A morte. Ficar livre. Passar adiante. À quimera seguinte. Fechar para sempre o olhar sujo da carne. O que é que a impede? Atenção. "
- Mal Visto Mal Dito"
- Samuel Becket
- Quasi
- 5€
Amanhã à noite, Sr Teste de ligas e cigarrilha
2º CABARÉ IMPERDÍVEL, Lisboa
Um apresentador apaixonado por poesia erótica. Uma trapezista que se chama Margarito. Uma exposição de um português em Berlim. Duas palhaças madrilenas que vendem cachorros quentes. Ilusões que vêm de um Mundo Sutil. Apresentações de livros e derivados pelo coletivo do blog Sr. Teste. Música, pois claro! E portuguesa. Teatro resort pela Cercabranca. Magia. Mistério. Isto tudo e mais algumas surpresas é o que promete o 2º CABARÉ IMPERDÍVEL produzido pela Compañía Mundo Sutil.
A dobradinha do Sr Calasso/ Clássico = Contemporâneo
-"Ka"( mitologia indiana)- Roberto Calasso - Companhia das Letras
-14€
-"As Núpcias de Cadmo e Harmonia" (mitologia grega) - Roberto Calasso - Cotovia
- 10€
Em busca do poema perdido
"O tempo das suaves raparigas
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
És tu surges de branco pela rua antigamente
noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher
(E nos alpes o cansado humanista canta alegremente)
«Mudança possui tudo»? Nada muda
Nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados
levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas
Deus anda à beira de água calça arregaçada
como um homem se deita como um homem se levanta
Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios de vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
gestos e pensamentos tudo fixo
Manhã dos outros não nossa manhã
pagão solar de uma alegria calma
Da terra vem a água e da água a alma
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida"
-"O Tempo das Suaves Raparigas"
- Ruy Belo
-Assírio & Alvim
- 6€
Partilha do último segredo
"Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para um sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar"
- Maria Teresa Horta -
(antologia de poesia organizada por Eugénio de Andrade com a participação do Sr Herberto, do Sr Botto, Sr Tamen, Sr Ramos Rosa , Sr O'Neill , Sra Natália...,
- 1972
- Editorial Inova
- 15€
Uma espécie de oração particular (Obrigatório ler)
"O mês de março vem ver como é e toca em tudo, e as montanhas descem pela tarde íngreme, nos espelhos tu serás daqui em diante todo o meu braço esquerdo, porque eu vou levantar voo com o braço direito na camisa demasiado azul, meu amor a espuma é uma pressa das águas que chegam à alvorada, nascidas num centro nocturno onde os animais estremecem e dormem- nunca mais terei sono, vou despir-te tão lentamente quanto se tece uma estação, e arderá nos meus dedos uma doçura negra, só depois eu saberei como é leve toda essa roupa exaltada, na atmosfera que treme dás um passo com os teus cabelos, e a paisagem ergue-se e respira, com a cor toda na voz procuro o nosso silêncio, como tu és uma criança passa a sombra do vento, e passa porque estás nua uma vertigem de sal, e ouve: o teu país é pimenta, e então é a noite pintada ao fundo e a lua senta-se, meu amor como um cardume livremente branco, e olhar é um modo de crescer em silêncio, respiras elevada até ser teu corpo um grande pensamento, e tudo se cala para termos muitas mãos por onde compreender, o mês de março está no meio e não se move, sentimos apenas os seus pulmões ardentes na matéria delicada que ferve atrás dos séculos."
- "Poesia Toda 1953- 1980"
- Herberto Helder
- Assírio & Alvim
- 1981
- 65€
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