Triangulismo
"Pintei óculos no rosto de Éluard. Desde então ele se chama Éluard. A senhora Éluard chama-se equilíbrio."
Dança da chuva
"Infelizmente, a chuva, que não se previu, faz malograr a iniciativa. Como ressalta Jean-Jacques Brochier, com humor, "ninguém sabe o que teria acontecido se fizesse bom tempo. Sem dúvida, nada de mais. O que impressiona, com efeito, em todas as manifestações públicas do dadaísmo, salvo a última (...), é o seu lado de 'fiasco', como se diz no mundo do espectáculo. Fiasco felicíssimo, aliás, pois caso contrário o dadaísmo se teria transformado, como Diaghilev, em promotor de espectáculos."
antes da guerra com os esquimós #8
Franny e Zooey,
Nos acontecimentos iminentes não há o elemento surpresa. Por vezes, quero apenas deitar-me no espaço, ficar agachado na "interminável repetição do erro", mas sempre que caio, caduco, aprendo um pouco sobre o lado negro da minha altura. O medo de afundar provoca a intensificação do mergulho, a capacidade de tremer perfuma a minha insignificância e o erro de continuar produz mais cinzas que calor. Nos acontecimentos iminentes há sombras a vigiar e punir.
Farto de certidões, resolvi entrar sozinho na escuridão e procurar o gato morto. Acordo esgotado, não encontro nada.
do vosso,
"See more"
antes da guerra com os esquimós #7
S, (k)
Sei que sou rei sem coroa e meu nome é um simples pormenor walseriano no canto de uma folha. Cada vez mais pequeno. Cada vez mais escondido mas cada vez mais perto do meu lugar. Não apareço na fábrica, não conheço a Madonna, cada vez digo menos. Voltei a praticar todos os dias. Sei que algo cresce, se transforma. E sei que as tuas palavras são sábias. Ainda me lembro do dia do teu casamento. Quando estás mais próximo de ti, ausente socialmente, é quando mais falam e a tua imagem nunca foi tão distorcida como nesse dia em que não apareceste. A festa estava montada. Todos queriam festejar e ver qualquer coisa. Repito: voltei a praticar todos os dias. Sozinho. Notas longas.Vibração do ar. Pernas esticadas. Sem pensar. A maré a encher. Mas às vezes também eu ainda preciso de ver, nem que seja um olhar mais puro em frente ao espelho.
Z
antes da guerra com os esquimós #6
Seymour,
resolvi inaugurar um caderno, de tamanho moderado, onde me permito ser infantil. A família sempre me encarou como uma adulta e creio que tenham sido necessários vários erros para que me vissem, tardiamente, como uma criança. Num destes dias imaginei que escrevia um livro cujo ponto de partida seria um desencontro seguido de uma desistência. Pensei nisso não como uma fatalidade, mas como algo de muito natural. Isto faz-me pensar que uso de um realismo desactualizado, que me interessa escrever telefone em vez de telemóvel ou bilhete em vez de sms. Não deixa de ser espantoso que, ainda assim, me seja tão natural existir no meu tempo. E que me interesse tanto que o meu tempo surja, com a maior limpidez possível, no meu texto. Limito-me a quebrar o vocabulário, em jeito de contrapeso, contraponto. Às vezes sei que vou morrer antes desse texto mas agrada-me pensar que viverei sempre, inevitavelmente, através dele. Até amanhã.
F.
antes da guerra com os esquimós #5
S / Z,
Z
Também o espelho anda na minha cabeça desde ontem à noite. Não sei se vos contei mas a primeira imagem, a mais antiga que me lembro também tem o fogo como imagem central. Pelo que os pais me contaram, devia ter cerca de 4 anos. Lembro-me de acordar a meio da noite no colo da mãe, a espreitar da varanda para as traseiras do prédio. Lá em baixo, um vagabundo louco fazia uma dança em pânico, rodeado pelas chamas. Todas as noites ali dormia, a vizinhança já o conhecia. Dias mais tarde soubemos que foi uma partida. Lembro-me da multidão à volta, do riso, do pai ainda aparvalhado de sono a chamar os bombeiros pois ninguém ainda o tinha feito, tamanho o gozo macabro.
O homem era claramente louco, habitava um mundo irreconhecível para todos os habitantes do bairro. Mas o fogo era real. Ele gritava, as chamas subiam, o ar aquecia. Graças a ele o fogo foi extinto e foram evitados danos graves nos prédios à volta. Inclusive o nosso.
Se um louco gritar fogo, o fogo queimará.
Mesmo a quem não acredite.
Z
antes da guerra com os esquimós #4
Z. e F.,
O espelho continua a ser algo alegre. Amámo-nos uns aos outros tanto no espelho.
Vivo na fusão do amante e do guerreiro. Nas ausências, a falta de imaginação torna-me incapaz de ver o que está escrito. Deixo o vapor enlouquecer, depois atiro-o à rua, aguardo um vapor capaz de embaciar a imaginação ausência. Bem treinada, a humidade humana, pode atravessar estas paredes.
Alegre, fico tão fortalecido, tão satisfeito, que não sei onde estou. Não temo nada no mundo. Aguardo.
S.
antes da guerra com os esquimós #2
Seymour e Franny,
Antes de mais devo anunciar a grande novidade: pela sétima vez no espaço de dois anos, e honrando a tradição familiar, vou mudar de casa; de regresso aos subúrbios. Já esgotei esta paisagem, não participo nela, não a pinto, por isso decidi fugir deste quotidiano. Primeiro porque assim que me habituei fiquei condicionado, não gosto de trajectos infalíveis. Aliás, a própria ideia de infalível é de um conforto que me enoja. Falta errância, falta precisar no erro e por isso regresso a paragens a que não dei a devida atenção. O centro é onde estamos, certo? Para me despedir decidi pousar o corpo por alguns dias. Deixar que a alavanca da vontade nasça do interior do pensamento.
Estive com Bloom.
Parte amanhã para a Índia numa urgência como nunca o vi. Diz que depois explica por carta.
Tenho saudades vossas. Para me aproximar leio Proust (S) e o Guitá (F) e aprecio as diferenças que nos unem.
Beijos,
Zooey
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